sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta de Lygia Clark para seu filho

...
Meu filho,
Você é um ser.
Existe na medida do mundo.
É pouco.
O mundo é a constatação da realidade exterior que te cerca.
É a tua medida inicial.
É o teu começo mas não o teu fim.
É o chão da tua expressividade pois você é um ser vertical.
Para cima do chão há o “invisível”.
Você pode olhar os seus pés mas não a sua própria imagem.
Esta você a percebe.
Na verticalidade está a medida da sua procura.
Quando você aceitar a simples constatação da vida, aí sim, será o seu começo.
O primeiro sentimento será de perda pois tudo que cai na constatação é vivido como ganho.
Tudo adquirido como perda até a integração absoluta do “o percebido” no seu interior.
É a própria dinâmica da vida: perde-ganha.
Quando você se sentir no mais absoluto desespero você está sendo salvo.
Solte e aceite a tua intuição que te levará a uma aparente solução – solução esta sempre provisória.
Aceite o provisório pois jamais o processo pode parar.
A vida pode vir a ser uma realidade extraordinária desde que você esteja voltado para sua procura interior.
Não há realidade independente do “interior de si”.
Desconfie das coisas claras, a pureza é descoberta dentro da maior conturbação de uma crise. É o ponto luminoso dentro da maior escuridão.
O teu corpo meu filho, é o veículo da tua vivência.
Não o impeça de florir por nada. Cuide dele como você cuida do teu carro.
Toda a tua riqueza interior vai suá-lo, sujá-lo, e até sangrá-lo.
Quando ele estiver gasto externamente você mesmo estará mais inteiriço e completo interiormente.
Você o despirá um dia como a crisálida deixa o casulo.
Ai de você se neste momento você é ainda o início não elaborado pois aí você vai saber que esteve permanentemente morto em vida.

de Lygia Clark, 1970.
Imagem: Helio Oiticica.

4 comentários:

Jeferson Cardoso disse...

"porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração."
Lucas 12:34
Jefhcardoso do
http://jefhcardoso.blogspot.com

lucinha disse...

A mãe dizia: você é um ser vertical. Passou a vida a olhar os pés. Um dia olhou para o céu e desde então não sente o peso da alma.

>> homenagem a Lygia Clark.

Velton Clarindo ✍ disse...

oi.
Eu adoro esse seu espaço,
e por isso deixei uma humilde homenagem ao seu trabalho lá no meu blog.

Dá uma olhada (please)
http://eriveltongoomes.blogspot.com/2010/12/tudo-tem-um-fim.html

Lucinha disse...

Obrigado, Velton, eu vi! volte sempre! abs.