domingo, 27 de abril de 2008

A função da arte

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!

[de Eduardo Galeano, no Livro dos Abraços, da LPM]

Meninos e Meninas, eu li:

O Livro dos Abraços é um desses que você leva debaixo do braço para todo canto. Li um de bolso, pequeno grandioso. Depois em espanhol, tão charmoso. Em cada história ou texto uma deliciamento. Nao sei se existe a palavra, mas sei como se comporta... não há como explicar, só lendo. Li a primeira vez quando viajava num avião de Belém para Manaus. Livro nas mãos, quase terminado, olhei as janelas e vi um mar de águas, tantas águas... o Amazonas, imenso, de horizonte a horizonte só águas... chorei... pelo livro e pelas águas, pedia. Nunca mais fiquei livre de nenhum dos dois, carrego comigo. Do livro ja contei muitas histórias, do rio também. E fiz de presente na tentativa de inundar almas com ele, com eles. O autor podia só ter feito esse e já teria válido a existência, mas fez outros... a obra vale a pena ser visitada. Esse é só o começo... pelo abraço. [por Lux]

domingo, 13 de abril de 2008

Instantes

Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.

Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente
de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia
a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e,
se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo.

[há controvérsias sobre a autoria deste texto: atribuida a Jorge L Borges, depois a Nadine Stair, no site Releituras, e, enfim, ao humorista americano Don Herold, no Jornal da Poesia.
com ilustração: Liniers]

> para évora.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Ternura


Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
[ extático da aurora.

[Vinicius de Moraes;
arte: detalhe, anjos, de Rafael]