quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Artesão no Sereno

Não convém embrulhar
este brinquedo feito
de amor. Pode estragar,
pode mudar de cor,
mudar de rumo, deixem,
que ele precisa de ar.
E de resto ele foi
feito para meu filho
que é pessoa singela
e sensível, não vai
gostar de ver orvalho
e ternura embrulhados.

Feito para o meu filho,
pode ser para o filho
de qualquer um, por isso
não convém que ele seja
levado em mão ao dono,
que não tem pressa; um dia,
os correios do vento
acharão sua casa.

Este brinquedo pode
e pede levar sol.
Mal sol da manhãzinha.
O da tarde não serve
porque altera os azuis.
Não disse o azul geral.
Sei a que azuis refiro,
sei que azuis usei.

Brinquedos
são peças mui delicadas
de um modo geral, até os
nobres cavalos que pobres
crianças tiram de vassouras.
Quanto mais esses brinquedos
que devem, depois de feitos,
ou para que fiquem feitos,
adormecer muitas noites
no sereno da janela.
Só quem fabrica é quem sabe
(ou então não sabe nunca)
as infinitas maneiras
e desmaneiras do ofício,
a total falta de lei
para compor o mais simples,
se é que todos não são simples,
desses brinquedos de amor,
feitos de tudo, inclusive
de palavras que, ao final
de contas, são o de menos.
Mas não sei de teorias,
minha vida é fabricar
o que não sei, fabricando
o amor no amor por amor
dos brinquedos, meus brinquedos,
ai, meu Deus, vou trabalhar,
que o sereno hoje está bom.

[em "Faz escuro mas eu canto", de 1965, de Thiago de Mello]

para Ney.

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