quarta-feira, 11 de junho de 2008

A Rã

O homem estava sentado sobre uma lata na beira de uma garça. O rio Amazonas passava ao lado. Mas eu queria insistir no caso da rã. Não seja este um ensaio sobre orgulho de rã. Porque me contou aquela uma que ela comandava o rio Amazonas.
Falava, em tom de sério, que o rio passava nas margens dela. Ora, o que se sabe, pelo bom senso, é que são as rãs que vivem nas margens dos rios. Mas aquela rã contou que estava estabelecida ali desde o começo do mundo. Bem antes do rio fazer leito e passar. E que, portanto, ela tinha a importância de chegar primeiro. Que ela era por todos os motivos primordial. E quem se faz primordial tem o condão das primazias.
Portanto era o rio Amazonas que passava por ela. Então, a partir desse raciocínio, ela a rã, tinha mais importância. Sendo que a importância de uma coisa ou de um ser não é tirada pelo tamanho ou volume do ser mas pela permanência do ser no lugar. Pela primazia. Por esse viés do primordial é possível dizer então que a pedra é mais importante que o homem. Por esse viés, com certeza, a rã não é uma criatura orgulhosa. Dou federação a ela. Assim como dou federação à garça quem teve um homem sentado na beira dela. As garças têm primazia.

(de Manoel de Barros, em Memórias Inventadas – A Infância)

2 comentários:

Paul Carv disse...

Gosto muito da poesia do Manoel de Barros, pai da minha amiga Martha Barros, que é artista plástica das mais sensíveis.
Valeu.

Lux (Lucia Helena Ramos) disse...

que bom! amo Manoel de Barros! e ela ilustra os livros dele... sao delicadissimas imagens. ;)